30 de outubro de 2006

QUINTA-ESSÊNCIA 100


Motivado pelo assunto dos barcos resolvi publicar umas fotos que fiz na Ponta de Arnel, S.Miguel, Açores. A foto que se segue é uma das referidas e ficou em www.photografos.com.br/pasta35, pronta a atracar num olhar e/ou comentário, que é para isso que as fotos servem.


O GUERREIRO



Aconteceu o seguinte comentário e resposta da minha parte:

Comentário de Sérgio Durães 12/9/2006 18:19 (Amador de fotografia, doido por Pink Floyd, desde muito apaixonado pelas fotos, mas tendo agora mais tempo para elas, pretendo aprender com todos os que comentem as fotos que vou tirando, com criticas boas ou mas o importante é comentar.):


“Andar pra frente, contra tudo e contra todos, fazendo das fraquezas forças, assim somos nós!! Óptimo registo!! 5***** ”


Resposta: Artur Ribeiro 12/9/2006 22:28

Caro Sérgio:
Como diz:" o importante é comentar".
Ora então aqui vai!
Desta vez não para comentar um trabalho, mas para comentar um comentário seu (no GUERREIRO).
Já reparei que não se importa!
Se estou a abusar, a causa de tudo isto será de um "arrepio de dignidade", de reconhecimento pelas suas palavras, primitivamente pelo seu olhar e capacidade de processar e transmitir a sua mensagem. Gostava de conhecer muita gente assim! Mensagem, essa, que sujeita ao meu processamento (enquanto receptor), me "almifica" o GUERREIRO.
Enquanto Utilizador da Lente Fotográfica só posso dizer que falo sem palavras, assim me exige esta arte. Enquanto cidadão, concidadão, irmão comunitário e meramente um outro Tu, digo-lhe, caro Sérgio, gostava muito, muito, que TODAS as pessoas ousassem a exploração da sua própria voz.
De certo que submersos em "silêncios" ainda nos resta um sonho, um ideal, ou simplesmente alguma coisa a dizer. Somos Vivos, Humanos.
É de dignidade que se trata!



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Nesta aparente trivialidade celebro toda a alegria, admiração e prazer pela Vida: Crescimento, Comunicação, Perspectivas e “apalpadelas”.
Por vezes tudo me parece tão simples e fácil que depressa me sinto envergonhado de constantemente baralhar tudo.
Mas já aprendi que no momento em que sinto “vergonha de baralhar tudo” já estou a complicar tudo outra vez!


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Chegada a edição 100 da QUINTA-ESSÊNCIA e ao seu aniversário
cumpre-me a satisfação de vos agradecer.


Cada um de vós com a sua Própria Voz – uns mais afónicos do que outros, mas certamente atentos – contribuíram e contribuem para que realmente esta Minha Voz (como no filme Nha Fala) fosse e seja encorajada a não secar. Nem sempre é fácil, resta-me ir tentando, dialogando e partilhando com o mundo, fraquezas e fortalezas.


Viva o mundo! Viva a Voz Desamarrada!

Viva nós, juntos, mais fortes!



Escolhi esta hora feliz para vos apresentar a QUINTA-ESSÊNCIA em BLOG

25 de outubro de 2006

XCIX - Bibi

O mundo cor-de-rosa,
Amiga branca.

Cativa-me o teu jeito para estar
Neste mundo a estalar.

O teu sorriso que nunca fica onde nasceu.
O teu espanto
Que me deixa livre na potência do meu eu.

Puro encanto!
Comigo estás. Contigo, Sou.

XCVIII



em memória do meu avô, padrinho e amigo


quando pensamos que sabemos todas as respostas
vem a vida e muda-nos as perguntas
.
.

XCVII - Por Que É Tão Importante Ver As Estrelas


Esta é a história verdadeira do meu amigo Fortunato, que numa madrugada de pouca sorte acordou nu no corredor de um grande hotel londrino. Fortunato, alto funcionário da administração do Estado, em Luanda, tinha ido a Londres participar num encontro internacional de burocratas. Técnico competente, homem de cultura e de bom gosto, incorruptível por natureza e educação, o meu amigo sofre amargamente com a situação do país e a imagem de Angola no exterior. Ele acredita, um pouco ingenuamente, que cabe a todos os técnicos honestos a missão de melhorar essa imagem.

Nos países da Europa Ocidental é fácil a qualquer funcionário manter intacta a integridade moral. O difícil, na verdade, é ser corrupto. Exige, no mínimo, alguma coragem e imaginação. Num país essencialmente corrupto acontece o inverso: um funcionário incorruptível é olhado com suspeita e revolta por toda a gente; com suspeita porque ninguém acredita na sua incorruptibilidade («alguma coisa aquele tipo deve estar a esconder»); com revolta porque perturba a lucrativa actividade dos outros. Deste modo, ao burocrata incorruptível de um país corrupto não basta a firmeza das convicções morais - ele tem de ter o dobro da coragem de um funcionário venal europeu. E ao contrario deste não ganha nada com isso.

Faço estas observações para melhor esclarecer a personalidade do meu amigo. Fortunato partiu para Londres decidido a mostrar ao mundo a competência, o rigor e a honestidade dos quadros angolanos. Logo na primeira noite recusou o convite de um grupo de colegas portugueses, que insistiam em o levar a um espetáculo de travestis, («com gajos tão femininos que ao pé deles as mulheres parecem imitações») e ficou no quarto a estudar os dossiers. Deitou-se cedo, inteiramente nu, e adormeceu. A meio da noite levantou-se para urinar. Desde criança que Fortunato se levanta de noite, e vai confusamente, sem interromper o sono, fazer o seu xixi. Naquela noite ele fez xixi sem problemas, mas ao regressar confundiu a porta do quarto com a da casa de banho, saiu para o corredor, sempre sonambulando, tropeçou num largo sofá, meio afundado na penumbra, e estendeu-se nele. Acordou de madrugada, tremulo de frio, sem saber onde estava. Quando finalmente compreendeu o que lhe tinha acontecido levantou-se num salto, lançou-se em direcção à porta do quarto... E encontrou-a fechada!

.....– Pensei em suicidar-me, mas não tinha como. Ali estava eu, às seis da manhã, um preto nu no corredor de um dos melhores hotéis de Londres.

Afastada a hipótese de suicídio, Fortunato lembrou-se da avó. Todos os homens que choram, durante a infância, no regaço de uma avó, lembram-se dela nas situações de maior desespero. A avó de Fortunato nasceu em Calomboloca e viu pela primeira vez a luz eléctrica, já adulta, quando o marido a levou para Luanda. Ao contrário do que seria de esperar não ficou encantada. Na opinião da velha senhora o esplendor eléctrico das grandes cidades, ao ocultar o brilho das estrelas, prejudicou a humanidade. Ela acha que, tendo deixado de ver as estrelas – tendo deixado de se confrontar, todas as noites, com o ilimitado, o infinito, a fantástica imensidão do universo -, os homens perderam a humanidade, e com a humanidade perderam a razão. O desvario do mundo está, na opinião dela, directamente ligado ao êxodo rural e à multiplicação vertiginosa das grandes cidades.

Fortunato, nu, encostado à porta do quarto, teve algum tempo para meditar na filosofia da avó. Achou que aquilo fazia sentido:

.....– Compreendi de repente a tremenda desimportância da minha nudez.

Entrou no elevador, desceu até à recepção, e pediu que lhe abrissem a porta do quarto, pois tinha-a fechado inadvertidamente. O recepcionista, um irlandês muito ruivo, muito irlandês, olhou para ele e o que viu foi um homem íntegro. Estava nu? O recepcionista não o saberia dizer. Era uma dignidade, aquele homem. Procurou a chave e foi abrir-lhe a porta.


José Eduardo Agualusa


P.S: Quantas vezes os preconceitos não nos deixam ser verdadeiramente e realmente humanos!



XCVI

viver e não ter vergonha de ser feliz
Somos nós que pedimos às coisas que sejam o que elas não são e, quando elas continuam a ser o que são, pensamos que nos respondem que não, e que nos opõem um limite.

As coisas são o que são!
U. Eco

XCV - Objectivos de Desenvolvimento do Milénio

Na "Cimeira do Milénio" da ONU, que teve lugar em Setembro de 2000, os países membros assinaram, em conjunto, uma declaração, a Declaração do Milénio, que fixou 8 objectivos de desenvolvimento específicos, a serem atingidos até 2015. Estes objectivos, chamados os "Objectivos de Desenvolvimento do Milénio" (ODM), podem ser resumidos da seguinte forma:

1 Reduzir para metade a pobreza extrema e a fome
2 Alcançar o ensino primário universal
3 Promover a igualdade entre os sexos
4 Reduzir em dois terços a mortalidade infantil
5 Reduzir em três quartos a taxa de mortalidade materna
6 Combater o VIH/SIDA, a malária e outras doenças graves
7 Garantir a sustentabilidade ambiental
8 Criar uma parceria mundial para o desenvolvimento


O Relatório do Projecto do Milénio da ONU, "Investing in Development", elaborado pela equipa do Prof. Jeffrey D. Sachs e apresentado ao Secretário Geral Kofi Annan em Janeiro de 2005, propõe um plano concreto para a prossecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio até 2015, realista e eficaz em termos de custos. Segundo Sachs:

"Temos condições para pôr termo à pobreza extrema na nossa geração, não apenas para reduzir a pobreza para metade. Se quisermos eliminar a pobreza extrema, podemos fazê-lo até 2025."

Este relatório conclui ainda que os Objectivos do Milénio podem ser alcançados com um investimento que representa apenas 0,5% dos rendimentos dos países industrializados (PIB), uma meta que é inferior à meta relativa à ajuda internacional que os países ricos já prometeram atingir (0,7%).

POBREZA-Somos quase 6 mil milhões de habitantes neste planeta. 1,2 mil milhões de nós sobrevive em condições de extrema pobreza, isto é, vive com menos de um dólar por dia. Destes, 70% são mulheres. 6,3 milhões de crianças morrem de fome por ano e há 842 milhões de pessoas sub-nutridas no mundo.

ANALFABETISMO-Cerca de 115 milhões de crianças no mundo não vão à escola. Destas, três quintos são meninas. 876 milhões de pessoas no mundo são iletradas, dois terços das quais são mulheres.

DESIGUALDADE ENTRE OS SEXOS-Dois terços dos analfabetos no mundo são mulheres e 80% dos refugiados são mulheres e crianças. Em muitos países as mulheres não têm direito à herança do marido, ficando desamparadas quando ele morre, não têm direito de voto nem de se associar nem de escolher o marido. Também em muitos países as mulheres não têm direito a aprender a ler, a ser remuneradas pelo seu trabalho e noutros, quando trabalham ganham em média menos do que os homens.

MORTALIDADE INFANTIL-Para além dos 6,3 milhões de crianças que morrem de fome anualmente mais 13 milhões morrem antes de atingirem os cinco anos por causas evitáveis, tais como diarreia.

MORTALIDADE DURANTE A GRAVIDEZ E O PARTO-Mais de 500.000 mulheres morrem, por ano, durante a gravidez ou o parto, e 99% destas mortes ocorrem em países em vias de desenvolvimento.

MORTALIDADE DEVIDO A EPIDEMIAS-1 milhão de pessoas morre por ano de malária e mais 2 milhões de pessoas morrem de tuberculose. Estima-se que entre 34 a 46 milhões de pessoas vivem com SIDA/HIV e entre 2,5 e 3,5 milhões de pessoas morreram de SIDA em 2008.

FALTA DE CONDIÇÕES AMBIENTAIS-2 mil milhões de pessoas no mundo não têm acesso a fontes de energia regulares. 1000 milhões de pessoas no mundo não têm acesso a água potável. 2,4 mil milhões de pessoas no mundo não podem contar com a melhoria do seu sistema sanitário.

DESIGUALDADE ENTRE OS PAÍSES RICOS E OS PAÍSES POBRES-15% da população mundial vive nos países ricos, embora sejam responsáveis por 50% das emissões de carbono no mundo e 20% da população mundial consome 80% dos recursos do nosso planeta. Nos próximos 25 anos a população mundial vai aumentar de 6 para 8 mil milhões de habitantes, mas a maioria vai nascer nos países mais pobres. Muitos países pobres gastam mais com os juros da dívida externa do que com a resolução dos seus problemas sociais.



seja solidário


Custos da Educação básica para todos
10,2 mil milhões de contos

Despesas com cosméticos nos EUA
14 mil milhões de contos

Custos de Água potável para todos
15 mil milhões de contos

Alimentos para animais domésticos (UE e EUA)
29 mil milhões de contos

Custos de Saúde básica e nutrição
22 mil milhões de contos

Como reages a estes números?

XCIV - Alquimia


a alegria é o que nos torna os dias úteis

Se a vida por algum motivo e nalgum momento não te sorri, tipo atirou-te um limão (que injustiça, que non sense, logo com um limão?!!), não desesperes...

Faz uma limonada!


XCIII - Mimos de Avó

— Come uma guloseima!­
— Não me apetece avó, obrigado.
— Anda lá, tira uma!
— Ó avó, já me fartei de comer. Não quero mais nada.
— Olha que elas estão ali a pedir a Deus que as comam!
.
.....Há conversas que só se têm com as avós!
.
photo by: iz zylstra

XCII

Existem 4 coisas que não se recuperam:


A PEDRA - depois de atirada
A PALAVRA- depois de proferida
A OCASIÃO - depois de perdida
O TEMPO - depois de passado

24 de outubro de 2006

XCI - Convenções Sociais

Neste mundo, é imediatamente evidente que algo de muito estranho se passa. Não se vê uma só casa nos vales ou nas planícies. Toda a gente vive nas montanhas.
Em dado momento, os cientistas descobriram que o tempo flui mais devagar à medida que aumenta a distância do centro da terra. O efeito é mínimo, mas pode ser medido com instrumentos extremamente sensíveis. Quando o fenómeno se tornou conhecido, algumas pessoas, na ânsia de se manterem jovens, foram viver para as montanhas e agora as casas são todas construídas nos lugares mais elevados. É impossível vender casas noutro sítio qualquer.
Muitos, porém, não se contentam simplesmente em ter as suas casas na montanha. Para maximizarem o efeito, constroem as suas casas sobre estacas. Por esse mundo fora, os cumes das montanhas estão cobertos de casas dessas, casas que à distância se assemelham a bandos de pássaros gordos de pernas altas e ossudas. Os mais preocupados com a longevidade construíram as suas casas sobre estacas elevadíssimas. Na verdade, há casas que chegam a atingir setecentos metros de altura, empoleiradas nas suas pernas de aranha. Elevação tornou-se significado de posição social. Quando alguém chega à janela da cozinha, e tem de olhar para cima para ver um vizinho, acredita firmemente que esse vizinho vai levar mais tempo a ficar com as pernas enferrujadas, sem cabelo, com a pele enrugada ou sem apetites românticos. Do mesmo modo, quem tem de olhar para baixo, para uma outra casa, tende a considerar os seus ocupantes como envelhecidos, fracos e pouco espertos. Há os que se gabam de ter vivido toda a vida lá no alto, de ter nascido na casa mais alta do cume da mais alta montanha e de nunca de lá terem saído. Esses celebram a sua juventude frente ao espelho e passeiam-se nus pelas varandas.
De vez em quando, os afazeres do quotidiano obrigam as pessoas a descer do alto das suas casas; mas é à pressa que o fazem – descem a correr por intermináveis escadas, dirigem-se velozes para outra escadaria ou para o fundo do vale, fazem o que têm a fazer e regressam o mais depressa possível às suas casas ou a qualquer outro lugar igualmente elevado. Sabem que o tempo passa um pouco mais depressa a cada passo descendente e que, por conseguinte, também elas envelhecem um pouco mais depressa. Quando se encontram ao nível do solo, nunca se sentam. Correm de um lado para o outro de pasta na mão ou carregando as compras.
Com o tempo, as pessoas esqueceram qual a razão por que mais alto é sinónimo de melhor. Todavia, continuam a viver nas montanhas, a evitar tanto quando possível os vales profundos, a dizer aos filhos que se afastem das crianças que vivem abaixo deles...
Em cada cidade há sempre um punhado de pessoas que não se importam de envelhecer alguns segundos mais depressa que os vizinhos. São as almas aventureiras, as que descem ao mundo inferior e aí passam dias a fio, deitadas à sombra das árvores que crescem nos vales, nadando tranquilamente nos lagos que se espraiam nas altitudes mais amenas, ou simplesmente rebolando-se no chão. Raramente consultam o relógio e nunca são capazes de dizer se é segunda ou quinta-feira. E quando os outros passam a correr e tropeçam nelas, limitam-se a sorrir.

Alan Lightman
foto by: Michael Bille

XC - Vacuidade

A crença dá à vida quotidiana a hesitação que permite reflectir e apanhar um pouco de ar.

Há respostas que não permitem ao homem ultrapassar as suas hesitações, são somente formas de enganar o medo.


......Há pessoas que parecem não ter o tipo de imaginação que lhes permita acreditar em algo digno delas. Estão ligadas a gratificações imediatas e a ídolos que apenas as enlouquecem e tornam pouco profundos os seus pensamentos e valores. Em vez de crença, que é um envolvimento feliz numa visão digna, muitas pessoas limitam-se a sobreviver, encontrando alívio num contínuo divertimento.
Thomas Moore

LXXXIX - CRESCIMENTO



A INTELIGÊNCIA
surge quando deixamos de tentar ser espertos


O SENTIDO DO EU
surge quando já não temos necessidade de ser alguém


A TRANSCENDÊNCIA
surge quando abraçamos a vida que nos é oferecida


Thomas Moore

LXXXVIII - Cultiva a Felicidade

Podes ter defeitos, viver em ansiedade e irritação, mas não te esqueças de que a tua vida é a maior empresa do mundo.
Só tu podes evitar a sua falência.

Há muitas pessoas que te apreciam, admiram e torcem por ti.

Ser feliz não é ter um céu sem tempestades, caminhos sem acidentes, trabalhos sem fadigas, relacionamentos sem decepções.

Ser feliz não é apenas valorizar o sorriso, mas reflectir sobre a tristeza. Não é apenas comemorar o sucesso, mas aprender as lições dos fracassos. Não é apenas ter júbilo nos aplausos, mas encontrar alegria no anonimato. Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver a vida, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz não é uma fatalidade do destino, mas uma conquista de quem sabe viajar para dentro do seu próprio ser. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e tornar-se o autor da sua própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não". É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. É beijar os filhos, ser bondoso com os pais e ter momentos poéticos com os amigos, mesmo que eles nos magoem. Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e simples que mora dentro de cada um de nós. É ter maturidade para dizer "eu errei". É ter ousadia para dizer "perdoa-me". É ter sensibilidade para expressar "eu preciso de ti". É ter capacidade de dizer "eu amo-te".

Desejo que a tua vida se torne um canteiro de oportunidades onde consigas ser feliz...
E, quando errares no caminho, que tenhas a coragem para recomeçar tudo de novo.
Pois assim serás cada vez mais apaixonado pela vida.
E descobrirás que... Ser feliz não é ter uma vida perfeita.
Mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância.
Usar as perdas para refinar a paciência.
Usar as falhas para esculpir a serenidade.
Usar os obstáculos para abrir as janelas da inteligência.

Jamais desistas de ti mesmo.
Jamais desistas das pessoas que amas.
Jamais desistas de ser feliz!

NOTA.: Obrigado Jaime por me teres enviado do teu fraterno Timor este “mimo”. Saudades. Muitas.

LXXXVII - Mais ou Menos

Podemos morar numa casa mais ou menos,
Numa rua mais ou menos,
Numa cidade mais ou menos,
E até num país mais ou menos.

Podemos dormir numa cama mais ou menos,
Ter uma alimentação mais ou menos,
Ter um transporte mais ou menos,
Até aqui tudo bem.

O que não podemos mesmo, nunca e de modo nenhum,
É amar mais ou menos,
É sonhar mais ou menos,
É ser amigo mais ou menos,
É ter fé mais ou menos.

Senão corremos o risco de nos tornarmos uma pessoa
“mais ou menos”

LXXXVI - O Peter

Em Brooklyn, New York, Chush é uma escola que se dedica ao ensino de crianças especiais. Algumas crianças permanecem ali por toda a vida escolar, enquanto outras podem ser encaminhadas para escolas comuns.

Num jantar de beneficência da Chush, o pai de uma criança fez um discurso que nunca mais foi esquecido pelos que ali estavam presentes.

Depois de elogiar a escola e seu dedicado pessoal, perguntou:

“Onde está a perfeição no meu filho Peter, se tudo o que DEUS faz é feito com perfeição?

O meu filho não pode entender as coisas como as outras crianças entendem. O meu filho não pode lembrar-se de factos e números como as outras crianças. Então, onde está a perfeição de Deus?

Todos ficaram chocados com a pergunta e com o sofrimento daquele pai, e ele continuou:

"Acredito que quando Deus traz uma criança especial ao mundo, a perfeição que Ele busca está no modo como as pessoas reagem diante dessa criança.”

Então, contou a seguinte história sobre o seu filho Peter:
Numa tarde, o Peter e eu caminhávamos pelo parque onde alguns meninos que o conheciam, estavam a jogar beisebol. Peter perguntou-me:
- Pai, achas que eles me deixam jogar?
Eu sabia das limitações do meu filho e que a maioria dos meninos não o queria nas suas equipa. Mas entendi que se o Peter pudesse jogar com eles, isto lhe daria uma confortável sensação de participação e, portanto, de realização e bem-estar. Aproximei- me de um dos meninos no campo e perguntei-lhe se o Peter podia jogar. O menino olhou em seu redor, em busca da aprovação dos seus companheiros de equipa e mesmo não conseguindo nenhuma aprovação, assumiu a responsabilidade e disse:
- Nós estamos a perder por seis rodadas e o jogo está na oitava.
- Acho que ele pode entrar na nossa equipa e tentaremos colocá-lo para bater até à nona rodada.

Fiquei admirado quando o Peter abriu um grande sorriso ao ouvir a resposta do menino. Pediram então que ele calçasse a luva e fosse para o campo jogar. No final da oitava rodada, a equipa do Peter marcou alguns pontos, mas ainda estava a perder por três.
No final da nona rodada, a equipa do Peter marcou novamente e agora com dois fora e as bases com potencial para a rodada decisiva, Peter foi escalado para continuar. Uma questão, porém, veio à minha mente: a equipa deixaria Peter, de facto, rebater nesta circunstância e deitar fora a possibilidade de ganhar o jogo?

Surpreendentemente, foi lhe dado o bastão. Todos sabiam que isto seria quase impossível, porque ele nem sabia segurar o bastão. Porém, quando o Peter tomou posição, o lançador moveu-se alguns passos para arremessar a bola de maneira a que o Peter pudesse ao menos rebater. Foi feito o primeiro arremesso e o Peter balançou desajeitadamente e perdeu. Um dos companheiros da equipa foi até junto dele e juntos seguraram o bastão e encararam o lançador. O lançador deu novamente alguns passos para lançar a bola suavemente. Quando veio o lance, Peter e o seu companheiro da equipa balançaram o bastão e juntos rebateram a lenta bola do lançador. O lançador apanhou a suave bola e poderia tê-la lançado facilmente ao primeiro homem da base, o Peter estaria fora e assim teria terminado o jogo. Ao invés disso, o lançador pegou na bola e lançou-a em forma de curva, longa e alta para o campo, distante do alcance do primeiro homem da base. Então todos os miúdos começaram a gritar:
- Peter, corre para a primeira base. Corre para a primeira.
Nunca na sua vida ele tinha corrido... Mas saiu disparado para a linha de base, com os olhos arregalados e assustados. Até que ele alcançasse a primeira base, o jogador da direita teve a posse da bola. Poderia ter lançado a bola ao segundo homem da base, o que o colocaria fora de jogo, pois ele ainda estava a correr. Mas o jogador entendeu quais eram as intenções do lançador, assim, lançou a bola alta e distante, acima da cabeça do terceiro homem da base. Todos gritavam: “Corre para a segunda, corre para a segunda base”. O Peter correu para a segunda base, enquanto os jogadores à frente dele circulavam deliberadamente para a base principal. Quando Peter alcançou a segunda base, a curta parada adversária colocou-o na direcção da terceira base e todos gritaram: “Corre para a terceira”. Quando contornou a terceira base, os meninos de ambas as equipas correram atrás dele a gritar: “Peter, corre para a base principal”. O Peter correu para a base principal, pisou nela e todos os 18 meninos o ergueram nos ombros fazendo dele o herói, como se ele tivesse vencido o campeonato."

"Naquele dia," disse o pai, com lágrimas caindo sobre face, "aqueles 18 meninos alcançaram a Perfeição de Deus. Eu nunca tinha visto um sorriso tão lindo no rosto do meu filho !"

P.S: É preocupante que coisas grotescas, vulgares e obscenas cruzem livremente o ciberespaço e, que mensagens destas não sejam mais frequentes! Parece que temos medo do que os outros possam pensar de nós. Estamos mais preocupados sobre o que as outras pessoas pensam de nós, do que com o que Deus espera de nós. Contudo, é certo que, se quisermos podemos transformar as nossas vidas, e fazer sempre o melhor para todos os outros.

Obrigado, Ana Raquel, pelo texto.

LXXXV - “Uma vela nada perde acendendo outra”

foto: Paulo Pampolin

Há alguns anos atrás, nas Paraolimpíadas de Seattle, nove atletas, todos mentalmente ou fisicamente portadores de deficiência estavam prontos na linha de partida dos 100 metros.
Ao disparar da pistola, iniciaram a corrida, todos com vontade de chegar e vencer.
Enquanto corriam, um dos concorrentes caiu na pista, deu umas cambalhotas e começou a chorar.
Os outros ouviram-no chorar.
Abrandaram o passo e olharam para trás.
Pararam e voltaram atrás... Todos.

Uma menina com o Síndrome de Down sentou-se perto dele e começou a beijá-lo e a dizer-lhe: "Agora estás melhor?”
Então abraçaram-se todos e os nove caminharam em direcção à meta.

No estádio todos se levantaram e, aplaudiram durante vários minutos.
As pessoas que estavam presentes continuam a contar esta história.

Porquê? Porque dentro de nós sabemos que:
A coisa mais importante na vida vai além de vencer por nós mesmos.
A coisa mais importante nesta vida é ajudar os outros a vencer, ainda que comporte abrandar e mudar a nossa corrida.


P.S: Obrigado, Joana Feyo, por me teres dado a conhecer este texto.



LXXXIV - O Reino e o Cavalo




Shakespeare põe o Rei Ricardo III a gritar de desespero no final da sua tragédia:

“O MEU REINO POR UM CAVALO”

No final de uma sangrenta guerra, provocada pelo seu orgulho, Ricardo III sai derrotado. Com a morte a pairar-lhe sobre a cabeça, grita:

“O MEU REINO POR UM CAVALO”

Ricardo III, no abismo em que se transformou, gostava de trocar toda a sua opulência e poder por algo muito mais sublime: a VIDA.

Mas perante a morte não há cavalo que nos leve para longe do julgamento e da nossa própria consciência.

Daqui se tira a lição de que o que há de mais importante é saber cavalgar na vida e que a galope não se deve fugir para o orgulho, ego ou ganância.


LXXXIII




na selva da vida, Rei Leão, digo contigo:
HAKUNA MATATA


LXXXII - Floquinhos de Carinho

Era uma vez uma pequena aldeia onde o dinheiro não entrava.

Tudo o que as pessoas compravam, tudo o que era cultivado e produzido por cada um, era trocado.

A coisa mais importante, a mais valiosa, era o amor.

Quem nada produzia, quem não possuía coisas que pudessem ser trocadas por alimentos, ou utensílios, dava o seu carinho. O carinho era simbolizado por um floquinho de algodão. Muitas vezes, era normal que as pessoas trocassem os seus floquinhos sem querer nada em troca. As pessoas davam o seu carinho pois sabiam que receberiam outros num outro momento ou noutro dia.

Um dia, uma mulher muito má, que vivia fora da aldeia, convenceu um menino a não dar mais os seus floquinhos. Desta forma, ele seria a pessoa mais rica da cidade e teria o que quisesse. Iludido pelas palavras da malvada, o menino, que era uma das pessoas mais populares e queridas da aldeia, passou a juntar carinhos e em pouquíssimo tempo a sua casa estava repleta de floquinhos, a ponto de ser difícil circular dentro dela.

Daí então, quando a cidade já estava praticamente sem floquinhos, as pessoas começaram a guardar o pouco carinho que tinham e toda a harmonia da cidade desapareceu. Surgiram a ganância, a desconfiança, o primeiro roubo, o ódio, a discórdia e as pessoas passaram a ignorar-se pelas ruas.Como era o mais querido da cidade, o menino foi o primeiro a sentir-se triste e sozinho.

Procurou a velha para lhe perguntar se aquilo fazia parte da riqueza que ele acumulara. Como não a encontrou, tomou uma decisão. Pegou numa grande carroça e lá colocou todos os seus floquinhos e caminhou por toda a cidade distribuindo-os aleatoriamente. A todos que dava carinho, apenas dizia:

- Obrigado por receber o meu carinho.

Assim, sem medo que os seus floquinhos acabassem, distribuiu-os até ao último carinho sem receber um só em troca. Sem que tivesse tempo de sentir-se sozinho e triste novamente, alguém caminhou até ele e lhe deu carinho. Um outro fez o mesmo... Mais outro...e outro... até que definitivamente a aldeia voltou ao normal.

O menino percebeu o que realmente é ser rico: Lembrar que os outros existem é muito importante, mais importante do que cobrar aos outros que se lembrem de nós pois, o sentimento sincero nos é oferecido espontaneamente, e assim sabemos quem realmente nos ama.







Estes são
os meus floquinhos para ti !

LXXXI - O quão diferente é “VER” de “OLHAR”

As coisas não são apenas coisas

O Grão Kan tentava concentrar-se no jogo: mas agora era o porquê do jogo que lhe escapava. O fim de todas as partidas é o ganhar ou perder: mas o quê? Qual era a verdadeira aposta? Ao xeque-mate, sob os pés do rei derrubado pelas mãos do vencedor, resta o nada: um quadrado preto ou branco. À força de desmaterializar as suas conquistas para as reduzir à essência, Grão Kan Kublai chegara à operação extrema: a conquista definitiva, de que os tesouros multiformes do império não passam de invólucros ilusórios, reduzia-se a um pedaço de madeira aplainada.

Então Marco Polo disse:
- O teu tabuleiro, Senhor, é um conjunto de duas madeiras incrustadas: ébano e roble. A casa em que se fixa o teu olhar iluminado foi cortada de uma camada de tronco que cresceu num ano de seca: vês como estão dispostos os veios? Nota-se aqui um nódulo apenas esboçado: um rebento que tentou brotar num dia de Primavera precoce, mas a geada nocturna obrigou-o a desistir. Eis aqui um poro mais grosso: talvez tenha sido o ninho de uma larva; não de caruncho, porque assim que nascesse teria continuado a escavar, mas sim de uma lagarta que roeu as folhas, e foi por isso que escolheram esta árvore para ser abatida... Esta borda foi talhada pelo marceneiro com a goiva para aderir ao quadrado contíguo, mais saliente...

A quantidade de coisas que se podiam ler num bocadinho de madeira liso e vazio abismava Kublai; e Marco Polo já estava a falar dos bosques de ébanos, das jangadas de troncos que desciam os rios, dos cais, das mulheres às janelas...
Italo Calvino

LXXX - O Inferno dos Vivos


O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos. O segundo é arriscado e exige uma atenção e uma aprendizagem contínuas: tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, quem e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar.
Italo Calvino

LXXIX - Que nenhum de nós seja ”LEÓNIA”



Eu falo, falo, mas quem me ouve só fixa o que deseja.

Quem comanda o conto não é a voz: é o ouvido.


A cidade de Leónia refaz-se a si própria cada dia que passa: todas as manhãs a população acorda no meio de lençóis frescos, lava-se com sabonetes acabados de tirar da embalagem, veste roupas novinhas em folha, extrai do mais aperfeiçoado frigorífico frascos e latas ainda intactos, ouvindo as últimas canções no último modelo de aparelho de rádio.

Nos passeios, embrulhados em rígidos sacos de plástico, os restos da Leónia de ontem esperam o carro do lixo. Não só tubos de pasta dentífrica bem apertados, lâmpadas fundidas, jornais, contentores, restos de embalagens, mas também esquentadores, enciclopédias, pianos, serviços de porcelana: mais do que pelas coisas que dia a dia são fabricadas vendidas e compradas, a opulência de Leónia mede-se pelas coisas que dia a dia se deitam fora para dar lugar às novas. De tal modo que há quem se interrogue se a verdadeira paixão de Leónia é realmente como dizem o gozar as coisas novas e diferentes, ou antes o rejeitar, o afastar de si, o limpar-se de uma constante impureza.

Acrescente-se que quanto mais se aperfeiçoa a arte de Leónia no fabricar novos materiais, mais o lixo melhora a sua substância, resiste ao tempo, às intempéries, a fermentações e combustões. É uma fortaleza de resíduos indestrutíveis que rodeia Leónia, que a domina de todos os lados como um maciço de montanhas.

O resultado é este: que quanto mais Leónia deita fora, mais coisas acumula; as escamas do seu passado fundem-se numa couraça que não se pode tirar; renovando-se dia a dia a cidade conserva-se toda na única forma definitiva: a dos lixos de ontem que se amontoam nas lixeiras de anteontem e de todos os seus dias e anos e lustros.

Quanto mais os lixos crescem em altura, mais paira o perigo das derrocadas: basta que uma lata, um velho pneu ou um garrafão rebole para que a avalancha aconteça.
Italo Calvino

LXXVIII

Nunca Discutas:

porque se vais na cantiga do idiota, primeiro, ele arrasta-te até ao seu nível, depois, ganha-te em experiência

LXXVII - O QUE É SER POBRE!

Um pai, querendo que o seu filho soubesse o que é ser pobre, levou-o para passar uns tempos com uma família de camponeses humildes.

O menino passou os 2 meses de férias no campo.

No carro, de volta a casa, o pai perguntou:

– Como correram estes meses? O que aprendeste com esta experiência?
O filho respondeu com o olhar perdido na distância:

1 – Que nós temos um cão e eles tem quatro
2 – Que nós temos uma piscina com água tratada, eles tem um rio, onde há peixinhos e outras belezas.
3 – Que nós importamos lustres do Oriente para iluminar o nosso jardim, enquanto eles tem as estrelas e a lua.
4 – O nosso jardim é cercado por um muro. O deles pelo horizonte.
5 – Para nos protegermos vivemos rodeados de alarmes... Eles vivem com as suas portas abertas, protegidos pela amizade dos seus vizinhos.
6 – Nós compramos a nossa comida, eles cozinham.
7 – Nós usamos microondas. Tudo o que eles comem tem o natural sabor do fogão a lenha.
8 – Nós ouvimos CD`s... Eles ouvem uma perpétua sinfonia de pássaros, periquitos, sapos, grilos e outros animaizinhos... tudo isso às vezes acompanhado pelo canto de quem trabalha a terra.
9 – Nós vivemos agarrados ao telemóvel, ao computador e à televisão. Eles estão 'agarrados' à vida, ao céu, ao sol, à água, ao verde do campo, aos animais, às suas sombras, à sua família.

O pai ficou impressionado, e então o filho terminou:
– Obrigado, pai, por me ter ensinado o quanto somos pobres!

LXXVI - Elogio ao Amor

Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que sesegue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta declareza. Serei muito claro.

Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado.
Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinh* entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.
Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem.

A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.

Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.

Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".

Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores.
O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar,~ para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra.

A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.

A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira.
E valê-la também.

Miguel Esteves Cardoso

23 de outubro de 2006

LXXV - A Lição de Gandhi

A Felicidade é o fruto do esforço diário para nos superarmos a nós mesmos em cada um dos nossos actos.



Disse Gandhi que o homem não é senão o resultado dos seus pensamentos.

Daí a importância que tem o cultivar pensamentos rectos e bons, o ires formando a tua consciência dia a dia, com uma reflexão séria sobre o que tu és e o que é a vida. Sobre o que tu és na vida e o que a vida deve ser para ti. A ideia tende para a acto. O homem sente de acordo com o que pensa e vive de acordo com o que sente; se não vive de acordo com o que pensa e sente, bem depressa pensará e sentirá como vive. Cultivar em ti pensamentos sérios, nobres, rectos, cheios de bondade, deve ser o teu principal cuidado; dia após dia, deves oxigenar a tua mente, purificar o teu espírito, limpar a tua consciência, aclarar os olhos da tua alma, rectificar a orientação da tua vida. Para isso, nada melhor do que um minuto para Deus, um minuto para ti, e um minuto para a reflexão, para a tua própria introspecção.
Alfonso Milagro

LXXIV

Para 2006:


Que todos os dias possamos fazer o nosso digno esforço para expandir a consciência.

Que todos os dias possamos agradecer a todas as entidades (seres, coisas, perspectivas, emoções, abstracções...) que se cruzam no caminho. Pois não há entidades boas ou más. Possamos agradecer a comunicação (informação veiculada e partilha de energia) estabelecida.

Que todos os dias possamos projectar o nosso sorriso interior até aos confins dos universos. Que possamos, também, não sentir medo perante o sorriso dos outros nos nossos próprios confins.

Pois só sem medo é que se comunica verdadeiramente; pois só comunicando verdadeiramente é que se partilha; pois só partilhando é que a consciência se expande. E se sente grata por não existir entidades boas ou más.

Comunicar verdadeiramente é saber e fazer isto!

Sejamos, na medida do possível, todos os dias, parte integrante desta aventura.

LXXIII - O Mistério das Mãos


I
As Mãos prestam-se a gestos altamente construtivos.

Mãos juntas, acompanhando a oração: penso de modo especial, nas mãozinhas das crianças que a jovem mãe junta quando a ensina rezar, e as mãos trémulas dos velhinhos, que pedem para os seus filhos e netos ausentes...
Mãos de cirurgião, que salvam vidas...
Mãos calejadas de trabalhadores, quase sempre mal remuneradas...
Mãos de músicos, que nos deleitam, nos transportam para além do tempo e do espaço...
Mãos que espalham sementes que se tornam alimento, e sementes de amor, de esperança e de paz...
Mãos de pintores e escritores, que se esforçam para não trair os sonhos de beleza que se aninham no pensamento e no coração...
Mãos de linotipistas que compõem os jornais com a síntese do dia em que estamos e dos grandes acontecimentos de qualquer parte do mundo...
Mãos que acariciam: mãos de mães, mãos de namorados, mãos de esposos, mãos de irmãos, mãos de amigos...


II
Seria fácil continuar a enumeração.

Mas é importante recordar também que as mãos, capazes de tanta grandeza e de tanta beleza, espalham igualmente a desolação, o medo e a morte.

mãos que se fecham, egoístas e avaras.
mãos que se encrespam, cheias de ódio.
mãos que fecham a porta a quem necessita entrar, merece entrar.
mãos preguiçosas.
mãos ditadoras.
mãos que roubam.
mãos que maltratam e raptam pessoas.
mãos que lançam bombas arrasadoras, inclusive bombas que queimam inocentes vivos...


III
Que nossas mãos estejam sempre ao Serviço do Bem, da Justiça e da Beleza.

Que nossas mãos, à imitação das de Jesus (o aniversariante do momento!!!), sejam semeadoras de tranquilidade, de esperança, de amor e de paz.

Dom Elder Câmara



Pois, são as Mãos – são principalmente elas – que no amor se abrem



Bom Natal

LXXII - Faz Com Que Receba o Mundo Sem Receio


Pedir?
Como é que se pede?
E o que se pede?
Pede-se a vida?
Pede-se a vida.
Mas já não se está a ter vida?
Existe uma mais real.
O que é real?
Ela não sabia como responder. Ás cegas teria que pedir. Mas ela queria que, se fosse ás cegas, pelo menos entendesse o que pedia. Ela sabia que não devia pedir o impossível: a resposta não se pede.

Clarice Lispector

LXXI - A Lição da Borboleta

Num certo dia, um pequeno buraco apareceu num casulo.
Um homem sentou-se e observou a borboleta por várias horas, a borboleta esforçava-se para fazer com que o seu corpo passasse através daquela pequena abertura.

Então, pareceu-lhe que a borboleta estsva com dificuldade em sair do casulo; parecia que ela tinha ido o mais longe que podia, e não lhe restavam mais forças...

O homem decidiu ajudar a borboleta: pegou numa tesoura e cortou o restante do casulo.

A borboleta assim saiu facilmente.

Mas o seu corpo estava murcho, era pequeno e tinha as asas amassadas.

O homem continuou a observá-la, porque ele esperava que, a qualquer momento, as asas dela se abrissem e esticassem para serem capazes de suportar o corpo que se ia afirmando.

Nada aconteceu!

Na verdade, a borboleta passou o resto de sua vida rastejando com o corpo murcho e com as asas encolhidas. Nunca foi capaz de voar!

O que o homem, com a sua gentileza e vontade de ajudar, não compreendeu que o casulo apertado e o esforço necessário à borboleta para passar através da pequena abertura era o modo pelo qual Deus fazia com que o fluído do corpo da borboleta fosse para as suas asas, a fim de a deixar pronta para voar.


Algumas vezes o esforço é justamente o que precisamos na nossa vida.


Se Deus nos permitisse passar através de nossas vidas sem quaisquer obstáculos, ele deixar-nos-ia fracos e ignorantes. Nós não iríamos ser tão fortes como poderíamos ter sido. Nós nunca poderíamos voar.

11 de outubro de 2006

LXX - Os Sentimentos e as Coisas

A vida é feita de encontros
embora haja tantos desencontros por aí.

Era uma vez um rapaz e uma rapariga que se apaixonaram. E resolveram ficar noivos. Os noivos presenteiam-se sempre. O rapaz era pobre – o seu único bem consistia num relógio que herdou do seu avô. A pensar nos lindos cabelos da sua amada, resolveu vender o relógio para lhe comprar um lindo travessão. A rapariga tampouco tinha dinheiro para o presente de noivado. Então, vendeu os seus lindos cabelos. Com o dinheiro comprou uma corrente para o relógio do seu amado. Quando se encontraram, no dia da festa do noivado, a rapariga dá-lhe a corrente para o relógio que ele já não tem e ele dá-lhe um travessão para uns cabelos que já não existem.
Paulo Coelho

LXIX - A História do Burro



A vida atira-nos muita terra para cima,
terra de todos os géneros.
Se não nos dermos por vencidos
podemos sair dos vazios mais profundos.



Um dia, o burro de um aldeão caiu num poço.
O animal zurrou fortemente durante algumas horas, enquanto o dono procurava ajuda para o retirar do fundo do poço. Não a encontrando, acabou por decidir que, sendo o burro já velho e estando o poço já seco, o melhor era tapar o poço pois não valia a pena tirar de lá o burro.
Pegou numa pá e começou a atirar terra para dentro do poço.
O burro, ao ver o que se estava a passar, começou desesperadamente a zurrar. Mas, pouco depois, para surpresa do dono, calou-se, e só se ouvia o som das pazadas de terra a cair.
O aldeão, que ia olhando para o fundo do poço, ficou surpreendido com o que viu, o burro estava a fazer uma coisa incrível: sacudia a terra que lhe ia caindo nas costas e dava mais um passo para cima da terra atirada.
Rapidamente o burro chegou à boca do poço, saltou por cima dos bordos e partiu a trotar!


LXVIII - O Invisível

Marco Polo descreve uma ponte, pedra a pedra.

– Mas qual é a pedra que sustém a ponte? – perguntou Kublai Kan.

– A ponte não é sustida por esta ou aquela pedra ­ – responde Marco, – mas sim pela linha do arco que elas formam.


Kublai Kan permaneceu silencioso, reflectindo. Depois acrescenta:

– Porque me falas das pedras? Se é só o arco que importa.

Polo responde: – Sem pedras não há arco.


Italo Calvino

LXVII - Outras Notícias de Moçambique

Fios entrelaçados

Alguém que gosta muito de alguém diz a Outro Alguém, “Gosto muito de estar contigo! Fazes-me lembrar Alguém de quem eu Gosto Muito...”

O Outro Alguém sorri e repara na importância que alguém de quem se gosta muito tem na vida de alguém. Repara também no agradável sabor que pode ter uma comparação, ou de como um sabor agradável pode desencobrir um antigo traço na memória.

Alguém e Outro Alguém estão de mãos apertadas.

Alguém de quem Alguém Gosta Muito não está presente e nem conhecido é pelo Outro Alguém.

O Outro Alguém não consegue evitar o seguinte esboço poético:
... a vida, fios entrelaçados...

Nesse momento o Outro Alguém não sabe (nem nunca saberá) o que Alguém pensa.

Talvez outro verso.

Por entre os fios apertados ou mãos entrelaçadas notou-se um olhar, um sentido, um abrigo ou outra coisa qualquer – desde que seja uma coisa que caiba dentro de um búzio colhido na praia e perdido num bolso.

Talvez o outro verso em que Alguém pensa, talvez nem um verso seja mas um simples Xikanwe*.

Outros alguéns (e isto para não dizer o nome de ninguém) também entrelaçados no olhar que se notou entre Alguém e Outro Alguém, advinham no rosto uns dos outros um franco e enluarado risco branco ; o barco de marfim que vai rasgando a noite.



* Xikanwe: estamos juntos

LXVI - Notícias de Moçambique

E de facto já se sentia incubar o movimento impetuoso das andorinhas, que apontam para o ar transparente com um ágil golpe de cauda e desenham com a lâmina das asas a curva de um horizonte que se alarga.

Mas tem de acontecer tudo como que por acaso, sem lhe dar demasiada importância, sem a pretensão de se estar a realizar uma operação decisiva.

Quando menos se espera vemos abrir-se uma espiral e aparecer uma cidade diferente, que ao fim de um instante já desapareceu. O segredo estará talvez em saber quais as palavras que se devem pronunciar, quais os gestos a fazer, e em que ordem e ritmo faze-los, ou então basta olhar a resposta, o aceno de alguém, basta que alguém faça qualquer coisa só pelo prazer de faze-la, e para que o seu prazer se torne o prazer dos outros: nesse momento mudam todos os espaços, as alturas, as distâncias...


trechos de Calvino

LXV


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LXIV - Oração à Polissemia



Tenho em mim muitos “Artures”.
Fazei com que sejam amigos,
e que amigos, amigos façam.


LXIII - O Índio e os Conflitos Internos

Um Índio descreveu, assim, os seus conflitos internos:

– Dentro de mim existem dois lobos, um deles é mau e cruel, o outro é bom e compreensivo. Os dois estão sempre em conflito!

Quando lhe perguntaram qual dos dois lobos sairia vencedor, o índio respondeu:

– Aquele que eu alimentar melhor.

LXII - A Cor dos Desejos

Os desejos são pigmentos de cor. Umas vezes cinzentos e impossíveis. Outras, vermelhos e arrebatadores. Um segundo...um instante...um pensamento, e a existência simples e descolorida transforma-se num mundo gico onde tudo e todos são possíveis. Quem nunca desejou? Quem nunca viu ... vermelho?

LXI - A Entrega e o Amor



A vida não é existir sem mais nada
a vida não é dia sim, dia
não
é feita em cada entrega alucinada
para receber daquilo que aumenta o coração



Mafalda Veiga

LX


Impossível?
O u s a r ... s o n h a r

LIX - Provérbio Índio


“Antes de julgares uma pessoa, caminha durante três luas com os seus sapatos”



Vistas de fora, há muitas vidas que parecem falhadas, irracionais, loucas. Enquanto se está de fora, é fácil compreender mal as pessoas, as suas relações. Só de dentro, só caminhando durante três luas com os seus sapatos é que se pode compreender as motivações, os sentimentos, aquilo que faz agir uma pessoa de uma forma e não de outra. A compreensão nasce da humildade, não do orgulho de saber.

LVIII


Não tenhais medo! *

* Palavras do Anjo Gabriel à Virgem Maria e José; de Cristo aos Apóstolos; a frase que mais vezes repetiu João Paulo II ao longo do seu pontificado.

LVII - Varinha do Condão

Quantas vezes já deitado,
Mas sem sono, inda acordado,
Me ponho a considerar
Que condão eu pediria,
Se uma fada, um belo dia,
Me quisesse a mim fadar...



O que seria? um tesouro?
Um reino? um vestido de ouro?
Ou um leito de marfim?
Ou um palácio encantado,
Com seu lago prateado
E com pavões no jardim?



Ou poderia, se eu quisesse,
Pedir também que me desse
Um condão, para falar
A língua dos passarinhos,
Que conversam nos seus ninhos.
Ou então, saber voar!

Antero de Quental

LVI - Um Amigo

Um amigo é uma pedra. Que serve para segurar. Tecto. Que serve para atirar. Chão. Que serve para brincar. Um amigo é uma pedra grande que empurramos e não se mexe. Nunca muda de natureza. Nunca muda de lugar. Nunca se vai embora. Fogueira. Um amigo é uma pedra quente que pomos no coração. A arder. Um amigo é um doido que nos acalma, um doente que não queremos curar. É um partilhador de mentiras, um fazedor de planos, um contador de segredos. É um prato que se parte sem ser preciso pagar. Não há cara mais bonita e mais precisa do que aquela que se conhece. Não há palavra parecida com o nome dele. Não há um momento do mundo em que não apeteça vê-lo. Nem que seja só para vê-lo. Não há uma multidão suficientemente grande para escondê-lo. Nem desconhecidos, nem surpresas, nem sonhos. Um amigo é uma paciência, uma indiferença ao que temos de pior. É uma tolerância absurda, que sabe bem receber. É uma falha total de juízo. Um amigo é quem está sempre do nosso lado, sobretudo quando não temos razão, que é quando mais precisamos. Um amigo é um incondicional, um irreflectido, um intransigente. Um amigo é um eu melhor. Um amigo é um eu em infinito.


Miguel Esteves Cardoso

10 de outubro de 2006

LV - De Mão em Mão



Estou a escrever de repente. Desculpem a confusão nas ideias. Que engraçado!

É muito importante saber desaprender.

Vou tentar explicar: Há uns tempos atrás senti necessidade de fazer algum tipo de voluntariado. Senti necessidade de “ajudar os outros” e desta forma prestar o meu contributo para uma “humanidade mais humana”. Em boa hora comecei então a “ajudar os outros” e foi assim que comecei a desaprender imenso!

Treinei-me na disponibilidade que precisava ter para poder “ajudar”. Com bons resultados é certo, mas “ajudar” tem sido uma palavra que me tem feito pensar. Pois o engraçado da questão é que me apercebi que por mais que “ajude os outros” parece que sou sempre eu que sou ajudado pelos outros!

Vou para Timor e são aqueles nobres miseráveis que me dão uma lição! Trabalho com pessoas portadoras de deficiência e são elas que me ensinam a desaprender!

Apercebi-me que se é necessário ter disponibilidade para ajudar os outros (sempre pensei que esta era a génese do voluntário) , também é necessário ter disponibilidade para se ser ajudado. Não é só ajudar é também e sobretudo ser ajudado!

Agora tento estar disponível à ajuda. E não é que ela me acontece constantemente! Reparo com mais atenção nos gestos daqueles que me rodeiam e de como me ajudam a conhecer-me melhor; reparo com mais atenção nos meus gestos e naquilo que eles estão a dizer, a mim e aos outros. Mesmo as situações mais banais nos ajudam tanto!

Todos precisamos de ajuda. De uma ou de outra forma todos nós queremos evoluir e crescer e sabemos que sozinhos não vamos lá chegar! Precisamos uns dos outros! Essa é que é essa!

“Ajudar” é o mais fácil lado da questão, agora ter a coragem de nos apresentarmos à realidade como aquele que também precisa de ajuda é sempre mais complicado.

É a este processo que chamo “desaprender”. Ninguém ajuda ninguém se não estiver disponível, ao mesmo tempo, para ser ajudado. Não é o outro que tem que estar disponível para aceitar ser ajudado, somos nós! Tenho a minha cabeça a latejar com esta ideia! Somos nós!

Quando penso em “ajuda” não estou a pensar em ajudas terapêuticas- que são muito importantes, obviamente!- estou a pensar na “ajuda” como se fosse um “sentido” que deveríamos desenvolver: saber ouvir, saber ver, saber sentir, sem se estar tão certo daquilo que já ouvimos, vimos e sentimos. No fundo é estar receptivo ao que a vida nos quer dizer. E a vida tem tantas coisas “novas” para nos dizer! Tantas maneiras diferentes de comunicar connosco!

Tudo o que estou para aqui a dizer parece tão banal e ao mesmo tempo sinto que somos tão poucos a estar realmente conscientes de tal comunicação! Espero ter coragem para não ser arrogante a ponto de dizer “eu já sei”. E prometo que vou tentar!

Que engraçado! Reparo agora que muitos dos teus gestos, palavras, silêncios e atitudes a que eu assisti me ajudaram tanto! Já me deste tantas lições! E quantas vezes as arrumei para canto com o meu famoso “é a tua opinião”! Que arrogância esta de me julgar tão sabedor a ponto de só filtrar aquilo que concorda comigo! Que pobreza!


Quantas vezes já “ajudei os outros” com palavras e atitudes tuas! Quantas vezes já “ajudei os outros” com as tuas mãos, através das minhas! Não só com as minhas mãos mas também com as tuas! Grandes Lições!


A “Ajuda” é um processo dinâmico.

O importante, o essencial, é não desligar ou cortar a corrente de solidariedade e de fraternidade que nos percorre e acolhe a todos! De mão em mão!

Estou muito grato pela tua ajuda, pela ajuda que constantemente recebo.

LIV

Quem diz Natal, diz natalidade.
Quem diz natalidade, diz nascimento.
Quem diz nascimento, diz Vida.
Ho! Ho! Ho!
Um balancé e uma bicicleta.
Caramelos, chocolates e muitas gomas
e um pião.

No carrossel muitas voltinhas.
Tardes no jardim,
berlindes de todas as cores, brilhantes!
Princesas, (dargões) dragões pa vencer
e sereias nas pocinhas da praia.

Um circo com animais, palhaços e tudo e tudo...
Gnomos amigos
e um cavalo branco com a crina ás florinhas.
Fadas. Não quero bruxas!
e um esconderijo,
magias secretas
e um relógio com muitas horas!

e férias (gandes) grandes pá mana.
Verões e primaveras e mais verões...

(Ponto) Pronto, alguma chuva pás cenouras dos vovós.

Pá mamã uns brincos de diamante
e pó papá menos trabalho.

Livros de histórias e com desenhos pa copiar e pintar
e peixinhos de vários tamanhos.

Tesouros no coração das pessoas, pa descobrir.

e um abraço ao Pai-Natal.
e muita saúde pá professora.


P.S.: e uma lei pa acabar com a sopa. As cenouras dos vovós podia ficar só pós bolinhos, não podia?


Sempre este e, tão maravilhoso, vida terna, beijo fresco...
Bom Natal

LIII - Regra dos três “R”

Respeita-te
Respeita o outro
Responsabiliza-te pelas tuas acções

LII - A Águia e a Galinha





Introdução:

Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que têm. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação.
Todo o ponto de vista é a vista de um ponto.
Sendo assim, fica claro que cada leitor é co-autor. Porque cada um lê e relê com os olhos que têm. Porque cada um compreende e interpreta a partir do mundo em que habita.

Com estes pressupostos vou contar a história de uma águia que foi criada como uma galinha. Essa história deve ser lida e compreendida como uma metáfora da condição humana. Cada um a lerá e re-lerá conforme os seus olhos. Compreenderá e interpretará conforme o chão que os seus pés pisam.



A História da Águia-Galinha:


Numa tarde sonolenta de verão, voltava um criador de cabras, do alto de uma planura verde. Ao pé da montanha por onde passava, encontrou, de repente, um ninho de águias todo estraçalhado. Dentro do ninho ainda lá estava um filhote de águia, ferido na cabeça. Parecia morta, a jovem águia, toda ensanguentrada.
Recolhendo-a com cuidado pensou:
-Vou leva-la ao meu vizinho que é um amante de pássaros. Gosta de os empalhar. Talvez queira empalhar este filhote de águia!
E assim fez, foi a casa do amigo empalhador, que o recebeu alegremente, e lá deixou a águiazinha.
-Amanha vou empalha-la, matutou consigo mesmo. Embora pequena vai ser uma ave soberba enchendo de grandeza qualquer sala. Colocou a águia num cesto e foi dormir.
No dia seguinte teve uma grande surpresa. Ao retirar o cesto, percebeu que a águia ainda se mexia. Por misericórdia tratou-lhe as feridas e tentou alimenta-la. Mas a recuperação estava ser lenta, e por isso, o empalhador resolveu coloca-la no seu galinheiro. Uma águia não é uma galinha. Mas as galinhas podem provocá-la para viver, para locomover-se e, quem sabe, para despertar em si a imagem das alturas e buscar, um dia, o sol.
A águia passou a comer milho e ração para galinhas. A águia depressa adquiriu os hábitos das galinhas e o empalhador já nem dela se lembrava.
Passados cinco anos o empalhador recebeu a visita de um naturalista amigo. Enquanto passeavam pelo jardim, disse o naturalista:
-Este pássaro não é uma galinha. É uma águia.
-De facto - disse o empalhador - é águia, mas foi criada como galinha e por isso deixou de ser águia. Transformou-se numa galinha, apesar das suas magníficas asas!
-Não - retorquiu o naturalista - Ela é e será sempre uma águia. Tem coração de águia. E esse seu coração, fará com que um dia voe até ás alturas.
-Não, não, insistiu o empalhador. Ela transformou-se numa galinha e jamais voará como uma águia.

Então decidiram fazer uma prova.

O naturalista pegou na águia, ergueu-a bem alto e disse-lhe:
-Pertences ás alturas e não ao chão, voa para o infinito do céu como te pede o coração!
Mas a águia, amedrontada, não fez sequer um movimento. Ao olhar em seu redor, e vendo as galinhas a comer milho no solo, deixou-se cair pesadamente e juntou-se a elas.
-Eu disse, ela agora é uma galinha, jamais voltará a ser águia.- comentou o empalhador.
O naturalista ainda não convencido respondeu: - Ela é uma águia e vai seguir a sua natureza. Amanha tentamos novamente.

No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia para o tecto da casa e sussurrou-lhe:
- Águia abre as tuas asas e voa!
Mais uma vez, a águia-galinha saltou para o solo e juntou-se ás galinhas.
Amanha, sem falta, a farei voar!- resmungou o naturalista ao ver o ar de gozo que o seu amigo esboçava. – Uma águia tem dentro de si o chamado infinito.O seu coração sente os picos mais altos das montanhas. Por mais que seja submetida a condições de escravidão, ela nunca deixará de ouvir a sua própria natureza de águia que a convoca para as alturas e para a liberdade!

No dia seguinte, os dois amigos acordaram cedo. Pegaram na águia e foram para o cume de uma montanha, longe da confusão da cidade. O Sol nascente dourava a montanha. O naturalista ergueu a águia até ao pico da montanha e ordenou-lhe: - Águia desperta do teu sono, deixa nascer o sol dentro de ti. Abre as asas e voa!
A águia olhou em seu redor. Tremia como se experimentasse uma nova sensação. Oh surpresa! A águia ergueu-se, soberba, sobre o seu próprio corpo. Revelou toda a sua força interior e abriu as suas longas asas titubeantes. Esticou o pescoço para a frente e para cima como para medir a imensidão do espaço. Grasnou com o típico kau-kau das águias e levantou vôo. Voou na direcção do sol nascente. Primeiro a medo, mas firme e confiante logo a seguir. Vôou para o alto, para mais alto ainda, até desaparecer no horizonte.
Acabara de irromper plenamente a águia até aqui prisioneira de galinha. Finalmente livre para voar, e voar como águia resgatada rumo ao infinito. E assim vôou até se fundir com o azul do firmamento.


Todos nós temos um pouco de Galinha e de Águia, mas não nos podemos esquecer que fomos criados à imagem e semelhança de Deus! NÓS TAMBÉM SOMOS ÁGUIAS. Nós voamos!

Leonardo Boff

LI - Cega-Rega, a Cigarra

Que quem não cantava morria de fartura



É difícil. Isto de começar num monturo e só parar na crista dum castanheiro tem que se lhe diga. É preciso percorrer um longo caminho. Embrião, larva, crisálida... Todas as estações do íngreme calvário da organização. Animada pelo sopro da vida, a matéria necessita do calor de um ventre. Antes dessa íntima comunhão, desse limbo purificador, não poderá ter forma definitiva. Custa. Mas a lei natural é inexorável. Exige consciência de cosmos antes da consciência de ser. O calor dá no ovo. Aquece-o e amadurece-o. A casca quebra. Depois... Ah, depois é essa descida ao húmus, essa existência amorfa, nem germe, nem bicho, nem coisa configurada. Largos dias assim. Até que finalmente em cada esperança de perna nasce uma perna, e cada ância de claridade é premiada com dois olhos iluminados. Cresce também uma boca onde a fome a reclama, e surge as asas que o sonho deseja...
É difícil, mas vai. Desde que haja coragem dentro de nós, tudo se consegue. Até fazer parte do coro universal.
-Já hoje ouvi a cigarra...
-É o tempo dela.
Nenhuma palavra de apreço pela dureza do caminho andado. Paciência. O teatro do mundo tem palco e bastidores. As palmas da plateia festejam somente os dramas encenados. Que remédio, pois, senão a gente resignar-se e aceitar as sínteses levianas. Nascia do tempo. Muito bem, ninguém mais ficaria a conhecer a fundura dos abismos em que se debatera. Protoplasma, lagarta, ninfa... Quase que sentia ainda no corpo as fases da transfiguração. Mas pronto, chegara! Agora era receber o calor do presente, e cantar. Cantar o milagre da anodina e conseguida ascensão.
E cantava.
A Primavera estava no fim, e o Estio ia começar. As cerejas pontuavam a veiga de sorrisos vermelhos. As searas, gradas de generosidade, aloiravam. Contentes, os ramos relaxavam de vez os músculos crispados, já esquecidos das ventanias do inverno. Havia penugens de esperança em cada ninho. Mas não era a doçura das seivas, a paz vegetal ou animal que saudava. Vencera todos os obstáculos dum árido caminho, sem a ajuda de ninguém. No fim do esforço, nem sequer essa vitória via reconhecida. Por isso, nada devia aos outros, e nada lhes daria, a não ser a beleza daquele hino gratuito.
Ainda no rés-do-chão das metamorfoses, apetecera-lhe contemplar dum alto miradoiro o berço nativo. E começou a subir, a subir, a subir sempre.
Depois, serenamente, olhou.
Nesse momento, porém, um raio quente de sol caiu-lhe amorosamente sobre o dorso. Contraiu-se de volúpia. E, da plenitude que a empolgou, ergue-se a voz de triunfo. Não era a vontade que a fazia vibrar. Era o corpo, possesso de contentamento, que, num espasmo total, estridentemente glorificava a própria perfeição atingida.
-Até azomboa a gente!
O senhor camponês, a reclamar. Suado e soturno, a trabalhar de manhã à noite, queria silêncio à volta. Tapasse os ouvidos! Nenhuma força humana ou desumana a faria calar. Com que razão? Porquê?
Porque a fome era triste, os dias passavam velozes, e urgia ajudar a natureza a ser pródiga? Imaginem!
Pois que aproveitasse as horas, os minutos e os segundos, num anseio insaciável de fartura. Ela continuaria ali, preguiçosa, imprevidente, num desafio sonoro à sensatez.
-Muita alegria tem tal bicho!
-A alegria passa-lhe... É deixar vir o inverno...
A pressurosa formiga! A coitada! Como se trabalhar fosse um destino!
-E temo-lo aí, não tarda muito.
Evidentemente. Mas que lhe importava? A escolha estava feita. Que folhas do calendário, como as das árvores, fossem caindo, e que os ceifeiros lançassem as gadanhas ao trigo maduro, numa condenação de galerianos. Que nas tulhas se acumulassem toneladas de grão. Ao lado dos celeiros atestados, ficaria um celeiro vazio. Um símbolo de inquebrantável confiança.
-Mas em quê?- perguntava um pardal suspicaz.
Outro que não compreendia. Outro que só concebia a existência a saltar de migalha em migalha.
-Chega-lhe, Cega-Rega!
O Poeta! Louvado seja Deus! Até que enfim lhe aparecia um irmão!... Um irmão que sabia também que cantar era acreditar na vida e vencer a morte.
A morte que a espreitava já, com os olhos frios do Outono...






Era uma vez
Uma fábula famosa,
Alimentícia
E moralizadora,
Que, em verso e prosa,
Toda a gente
Inteligente,
Prudente
E sabedora
Repetia
Aos filhos,
Aos netos
E aos bisnetos.
À base duns insectos,
De que não vale a pena fixar o nome,
A fábula garantia
Que quem cantava
Morria
De fome.
E, realmente...
Simplesmente,
Enquanto a fábula contava,
Um demónio secreto segredava
Ao ouvido secreto
De cada criatura
Que quem não cantava
Morria de fartura.




Miguel Torga




L - O Solipsista


Para que tem servido o teu coração?



Durante toda a vida Francisco Antunes foi um solipsista.
Um solipsista é alguém que acredita que ele próprio é a única coisa que realmente existe, que as outras pessoas e o universo em geral só existem na sua imaginação, e que se ele deixasse de os imaginar estes também deixariam de existir.
Um dia, a vida deste solipsista começou a correr mal. No espaço de uma semana, a mulher deixou-o, perdeu o emprego e partiu uma perna quando afugentava um gato preto para impedir que este se atravessasse no seu caminho.
Enquanto estava de cama no hospital decidiu acabar com tudo.
Olhou pela janela, contemplou as estrelas, desejou que elas deixassem de existir e elas desapareceram da sua mente. ERA UM SOLIPSISTA! Depois, desejou que todas as outras pessoas deixassem de existir e o hospital ficou estranhamente silencioso, apesar de ser um hospital. A seguir, fez o mesmo ao mundo, e encontrou-se suspenso num vazio. Livrou-se do seu corpo com a mesma facilidade e depois deu o passo final, querendo que ele próprio deixasse de existir.
Nada aconteceu!
Estranho, pensou, poderá haver um limite para o solipsista?
«Sim», disse uma voz.
«Quem és?», perguntou Francisco Antunes.
«Sou aquele que criou o universo que acabaste de querer que deixasse de existir. E agora que vieste substituir-me - houve um suspiro profundo - posso finalmente deixar de existir e deixar-te ocupar o meu lugar.»
«Mas como posso eu ocupar o teu lugar? Eu quero é deixar de existir, percebes? Sabes como posso fazê-lo?»
«Sim, sei», disse a voz. «Tens que fazer como eu fiz. Cria o teu universo. Espera até que surjam nele pessoas que acreditem realmente naquilo em que acreditas. Que queiram existir pelo universo que criaste. Para isso é preciso que consigas amá-las tanto quanto te amas a ti próprio.»
E a voz desapareceu.
Francisco Antunes estava sozinho no vazio e só havia uma coisa que ele podia fazer: Começar a Amar e assim Viver.
Depressa sorriu.
Depressa criou um coração para amar.

XLIX - Incursões pela Vida na Minha Terra


Vivemos na minha terra, assim, com algumas certezas. Certezas ricas de tão raras... Com os meus vizinhos brinco com isso! E com isso nos divertimos! Chamamos “âncoras” ás nossas certezas, porque as utilizamos para nos segurarmos no intempestivo mar da vida, quando ela nos desafia. Sorrimos sempre, pois sabemos das nossas poucas, ricas e raras certezas: a certeza do sorriso que ajuda, a certeza do gesto que agrada.

XLVIII


Viver e não ter vergonha de ser feliz,
cantar e cantar e cantara
a beleza de se ser um eterno aprendiz.


Gonzaguinha