15 de junho de 2008

CXXXVIII - Crónica do Dia Cheio

Acordei cedo.
Ainda no elevador telefonei à minha mulher para lhe dar um beijinho de Bom Dia, tinha saído de casa a correr e cheio de pressa... Entre a meia-de-leite e a torrada ainda consegui ler as letras gordas do jornal.

Da parte da manhã tive 3 reuniões para resolver uns negócios que estavam pendentes à espera de melhores orçamentos. Almocei com 2 investidores com os quais tenho a obrigação de manter uma posse de sucesso. Falamos trivialmente e debitamos certezas absolutas: “O senhor doutor tem toda a razão! Claro! Claro!”

De volta ao escritório, pelo telefone, fiz a inscrição no torneio de ténis, mais a reserva no hotel para a passagem d`ano. Não sei o que faz tanta gente a pé na rua, todas as passadeiras deviam ser precedidas pelo respectivo semáforo, pois assim, acabava esta chatice de ter de conduzir com atenção, ao mesmo tempo, à estrada e aos passeios de onde jorram gentes muito pouco civilizadas. Um dia destes morre vestido quem para a minha frente se atirar na passadeira! Uma maçada, ter que travar! Será que não percebem que se andamos de carro é porque temos pressa? “O senhor doutor tem toda a razão! Claro! Claro!” Aproveitei o trânsito para ouvir as últimas notícias na rádio: nada, só qualquer coisa na Birmânia... Já ontem passaram o dia a massacrarem-nos com o mesmo assunto!

Não há bateria que aguente o meu telefone. Lembrei-me que não desejei Boa Sorte ao “meu pequenote” lá de casa para o teste que fazia hoje. De Historia, não, de Geografia? Ao telefone voltei a lembrar-lhe que se queria no Natal o último modelo da Playstation tinha de estudar mais, “estudar é o teu trabalho e o pai também trabalha muito”... Gostava de ser um pai mais presente, mas...

Bom, consegui terminar um capítulo do trabalho do pós-doutoramento, respondi telegraficamente a 3 ou 4 e-mails de amigos que reclamam uma visita: “vai ter de ficar para outra altura... obrigado... depois falamos... abraço também...”

Tive a missa de 7º dia do Antunes; apertei muitas mãos, fiz um ar entristecido pela perda do verdadeiro amigo, mas estava era realmente com a mente exaltada pela repentina queda da Bolsa de Tóquio; estendi mecanicamente a carteira ao peditório; levantei, sentei, ajoelhei, levantei e fingi dizer aquelas coisas todas que se pronunciam em coro. Entretanto, acabou a cerimónia e com ela a cara triste. Saí da igreja a prometer novos encontros para quando tiver um pouco mais de tempo. Passei pela garrafeira a buscar uns vinhos que ontem encomendei para o jantar de aniversário do meu cunhado que se realiza hoje e planeie a minha fuga da mesa para telefonar para o Brasil por causa do preço a que me querem vender a matéria-prima.

Chegado a casa, mais uma vez, não tive disposição para ler a maGASine, trazido a semana passada pela minha afilhada.

Na hora do beijinho de Boa Noitinha, a minha mulher, sentada ao computador, on-line numa sala de chat, queixou-se, sem parar de teclar, que nem reparei que ela tinha mudado de penteado. Juro por Deus que não reparei mesmo! Não paro de me sentir frustrado de mais uma vez ter faltado ao dentista. Se não fosse aquele grupo de peregrinos que demorou uma eternidade a passar a passadeira...
Já estou com a cabeça no dia de amanhã...

Hoje acordei cedo e deitei-me tarde.
Tive um dia cheio, de nada.
in: maGASine, revista do G.A.S.Porto