26 de janeiro de 2008

CXXVIII - Bobo da Corte

O Bobo da Corte foi um personagem muito activo nas cortes medievais europeias (embora de origem muito mais remota). À primeira vista, a sua função seria fazer rir o Rei e a Nobreza; divertir a corte durante os banquetes e as festas. Contava piadas, fazia mímicas, declamava poesias, dançava, tocava música, tudo para entreter o nobre público - muitas das vezes, despertando ódios contra si e, consequentes perseguições, humilhações, castigos e perigos - embora protegido pelo seu Rei. Vestia uniformes espalhafatosos, com muitas cores e chapéus bizarros com sinos amarrados. De maneira geral era inteligente, atrevido e sagaz. Dizia o que o povo gostaria de dizer ao Rei, criticando-o abertamente. Muitas vezes era um deficiente físico ou um anão. A conjugação surpreendente entre o cómico e o grotesco! No fundo, a sua protecção.

Mais profundamente, o Bobo da Corte, através da ironia, mostrava as duas faces da realidade, revelando as discordâncias íntimas e expondo as ambições. Símbolo da Consciência Irónica, manifestava sempre o outro lado da realidade, unindo as faces da moeda. Representante do género teatral que tem por objectivo criticar, satirizar a sociedade e o comportamento humano através do ridículo; visando provocar o riso, o prazer, a diversão na observação desse ridículo. O Bobo tinha como preceito "Estar no mundo, mas não lhe pertencer", encontrava-se livre da cobiça, do orgulho intelectual, da cega obediência aos costumes ou da admiração às pessoas de posição mais elevada. Nada nem ninguém escapava à sua “inconsciência”. Grande vantagem a sua presença, o efeito da sua postura! Por vezes só o Bobo tem razão! Tantas vezes a fazer ver aquilo que salta à vista mas que ninguém vê! Tanta falta, nos dias de hoje, nos faz!

O Bobo da Corte (joker, bufão, pierrot, truão ou jogral) , representado no baralho de cartas como o Curinga, ou seja, aquele que pode alterar o jogo radicalmente. Nas suas traquinices contava histórias "sem pés nem cabeça", porém o seu significado oculto era sempre o de fazer com que todos reflectissem. Reflectir sobre o quê? Sobre a incongruência, sobre a subjectividade do ser humano... Essa era a sua finalidade essencial: passar uma sabedoria psicológica por meio do riso, das alegorias subjectivas, das pantomimas, do hilário.

Que tal despertar o "Bobo da Corte Interior"?
Ou seja, despertar aquela faculdade da Consciência que vigia as manifestações do Ego. Faculdade que nos proteje do defeito da auto-importância, da auto-consideração, do amor-próprio exagerado. Claro, sem que se perca o sentido do respeito!

A maioria de nós, ri dos Bobos da Corte, sem compreender que estamos a rir de nós mesmos. Muitas vezes a nossa vida é cheia de esquisitices, de multiplicidades psicológicas, de diabruras mentais, de conflitos... Se essas situações não forem de importância maior, será conveniente rir de nós próprios.

Rir um pouco de nós mesmos.


pic: Rigoletto by Leonard Thompson
wikipedia
gnosisonline

17 de janeiro de 2008

CXXVII

repreensão do Samurai ao combatente desastrado:

Pensas demais!

Pensas demais em ti,
nos que te estão a ver,
no teu inimigo.

Pensas demais!
in: Último Samurai, 2003, warner bros.

9 de janeiro de 2008

CXXVI - o vagante

Para o .vagante .não..tempo, nem história, nem ambição, nem os estranhos ídolos de evolução e progresso em que os proprietários acreditam tão desesperadamente. O vagante pode ser delicado ou rude, hábil ou desajeitado, corajoso ou timorato, mas tem sempre um coração de criança, vive sempre no dia anterior ao início da história do mundo, norteia-se por poucos instintos e necessidades elementares. Cumpre um Acordo Íntimo, desde a infância, com a Vida. A sua vida é pueril, a sua ascendência materna... A sua vida é arriscada e em secreta e constante proximidade da morte, onde a vida é mais viva. Na morte no entanto não pensa, da morte sabe por vocação que um dia o virá buscar, mas não teme ou cede.
Antes disso, vive e ama!
H.Hesse