16 de novembro de 2007

CXXIII - bolso do coração

A regra de ouro da economia foi sempre a de considerar o bem-estar como simples função do rendimento. Mas um grupo crescente de estudos mostra que só a riqueza não nos torna necessariamente feliz. Ultrapassado um determinado patamar de rendimento, já não conseguimos aumentar a felicidade.
David Cameron, líder dos conservadores britânicos, num discurso recente, propôs a adopção de um Índice de Bem-Estar Geral: “ Não deveríamos estar a pensar apenas em como pôr dinheiro nos bolsos das pessoas, mas também no que fazer para pôr alegria nos seus corações”. O Produto Interno Bruto não deverá ser o objectivo dominante da política. Deverá ser feito um grande esforço para erradicar a pobreza extrema do mundo. E o Estado deverá centrar-se em reparar os danos e ao mesmo tempo evitar gerar outros.
A política da felicidade não tem nada de novo. Na sua “Ética Nicomaqueia”, Aristóteles designa a “eudaimonia” – a felicidade – como objectivo da vida. Num belo discurso, o falecido Robert Kennedy, ex-procurador-geral dos USA, disse que “aquilo que faz com que a vida mereça ser vivida” é “a saúde dos nossos filhos, a qualidade da sua educação, a alegria das suas brincadeiras, a solidez dos nossos casamentos (...), a nossa dedicação ao país e o nosso espírito (...), a nossa sensatez e a nossa coragem”. E Robert Kennedy sublinhou que nada disto entrava para o cálculo do Produto Interna Bruto (PIB). Assim se verifica, que a qualidade de vida é mais importante do que a quantidade de dinheiro, que aquela não se esgota nesta.
A política para a felicidade deve assentar, sobretudo, na partilha das responsabilidades e “não somente na prosperidade e na liberdade”, como salienta Richard Layard, da London School of Economics e deputado na Câmara dos Lordes britânica, pelo Partido Trabalhista.
A felicidade da sociedade exige, afinal, que cada um de nós cumpra o seu papel. E cumprir o seu próprio papel contribui para a felicidade individual e consequentemente para a felicidade colectiva. É por isso que temos necessidade de uma revolução das responsabilidades.
No século XIX, a economia era conhecida como a “ciência da felicidade”. Os economistas pediam aos governantes que promovessem mais felicidade e defendiam um sistema fiscal progressivo, alegando que um dólar daria mais felicidade a um pobre do que a um rico. Mas, nos anos 30, os psicólogos subverteram a economia ao estilo de Bentham. Behavioristas como B.F. Skinner, de Harvard, afirmaram que seria anti-científico tentar medir fenómenos “mentais” obscuros como os pensamentos e os sentimentos. Dado que as respostas físicas (comportamentos) são os únicos dados fiáveis, o cientista social teria de basear as suas teorias no modo como as pessoas reagem aos estímulos. Para os economistas, isto era equivalente à Revolução de Copérnico: se os sentimentos das pessoas não podiam ser medidos nem comparados, o objectivo de aumentar a felicidade colectiva não fazia sentido. Por isso, seguiram os behavioristas e centraram-se nas acções das pessoas, em vez de maximizar a felicidade, o objectivo passou a ser maximizar a possibilidade de as pessoas satisfazerem os seus gostos ou preferências, comprando ou vendendo mercadorias. Na verdade, a tónica deixou de ser colocada na felicidade para ser colocada na liberdade – na remoção das barreiras que impedem as pessoas de serem elas a escolher.
O problema é que o capitalismo de consumo, as políticas de mercado que desde então varrem o mundo, explora a ânsia humana da renovação do apetite, os psicólogos mostram claramente a distinção entre Bem-Estar – que apenas cria um maior desejo por mais prazer, Síndrome do Sem-fim Hedonístico – e Estar-Bem, que pode conduzir à felicidade duradoura. O prazer por si só não basta, pois a exaltação é transitória, viciante e insaciante. A verdadeira felicidade vem com o significado, com a entrega pessoal, diz-nos o psicólogo e professor universitário americano, Todd Kashdan.
É aqui, neste ponto desta reflexão, que se jogam claramente as ideias-chave: Responsabilidade e/ou Liberdade, Bem-Estar e/ou Estar-Bem: Talvez chegue o dia em que se perceba que o caminho para uma sociedade mais feliz passe por cada um de nós assumir as suas responsabilidades na prossecução e efectiva realização do Estar-Bem próprio e que se tente deslizar o mínimo possível para os “esquemas mercantilistas” que iludem a própria Liberdade no falso bem-estar que nos é vendido pelo sistema publicitário, porque aquilo que faz, ao fingir que nos está a oferecer um leque de escolhas, é tomar o nosso lugar na descoberta daquilo que queremos.
Aristóteles há muito que nos avisou:
“ a virtude não existe se não optarmos por ela”

3 de novembro de 2007

CXXII - da “cultura de queixas” para a "cultura que culpabiliza os infelizes"

“Pense positivo. Afaste-se do negativo” : a receita parece mais fácil do que a do bolo instantâneo. Mesmo sem o repararmos, o nosso bolo da “violência sem nome” vai ficando pronto.
Muitos campeões da positividade instam-nos a ostracizar as pessoas negativas – queixosos e “vítimas” –, com a desculpa de que estão “fadadas à derrota”. A obrigação moral de pensar positivamente pode acrescentar um peso sobre as pessoas doentes ou passando por outra qualquer forma de sofrimento. Não só não conseguem melhorar como também não conseguem sentir-se bem, por não melhorarem, o que é verdadeiramente sinistro. No culto da positividade parece reduzir-se a nossa tolerância em relação ao sofrimento dos outros. Afastando-nos de uma “cultura de queixas”, que apoia as “vítimas”, passámos a ser cada vez menos tolerantes para com as pessoas que estão a passar por uma má fase. São só uns minutinhos, a 180 graus, uma palmadinha humilhante nas costas do outro e já está! Passemos sem mais demora à “positividade do nosso umbigo”!