29 de dezembro de 2006

CV - no beiral de 2007


Desejo primeiro que ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não o for, seja breve a esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconsequentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exacta para que, algumas vezes,
Se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para mantê-lo de pé.

Desejo ainda que seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
que fazendo bom uso dessa tolerância,
Sirva de exemplo aos outros.

Desejo que, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo,
que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, se sentirá bem por nada.

Desejo também que plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afectos morra,
Por ele e por si,
Mas que se morrer, possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a lhe desejar.


Obrigado Zé, não conhecia este poema do Victor Hugo.

23 de dezembro de 2006

CIV - Natal em Voz Alta

Em 1994, dois americanos responderam a um convite do Departamento de Educação da Rússia, para ensinar Educação Moral nas escolas públicas. Foram convidados a ensinar em prisões, quartéis dos bombeiros e também num grande orfanato. Nesse orfanato havia perto de 100 meninos e meninas que tinham sido abandonados, maltratados e deixados ao cuidado do governo. São os dois americanos quem nos conta a história.

Aproximavam-se os dias do Natal, tempo que os nossos órfãos escutassem, pela primeira vez, a história do Natal. Contámos-lhes como Maria e José chegaram a Belém. Não encontraram nenhum sítio que os acolhesse e foram recolher-se num estábulo, onde nasceu o menino Jesus que foi depois posto numa manjedoura.

Enquanto contámos a história, os meninos e os funcionários do orfanato escutavaram com muita atenção. Quando terminámos a história demos a cada menino três pedaços de cartolina para construírem um presépio. Seguindo as instruções os meninos construíram a casinha do presépio com muito cuidado. E com alguma roupa já usada e muito talento lá fizeram as imagens.

Os orfãozinhos estavam ocupados na construção do presépio enquanto eu ia caminhando pelo meio da sala para ver se alguém precisava de ajuda. Parecia que estava tudo bem até que cheguei a uma mesa onde estava sentado o pequeno Misha. Devia ter uns seis anitos e já tinha terminado o seu projecto. Quando olhei para o presépio deste menino fiquei surpreendido porque em vez de um menino Jesus havia dois. Chamei o tradutor para que lhe perguntasse porque é que havia dois bebés no presépio. Cruzando os braços e olhando para o seu presépio já terminado, começou a repetir a história muito seriamente.

Para um menino tão pequeno que só tinha escutado a história do Natal uma vez, contou a história com exactidão… até chegar à parte onde Maria coloca o Menino Jesus na manjedoura. Então o Misha começou a acrescentar. Inventou o seu próprio fim da história, " e quando Maria colocou o bebé na manjedoura, Jesus olhou para mim e perguntou-me se eu tinha um lugar para ir. Eu disse-lhe: não tenho mãe nem tenho pai, por isso não tenho com quem ficar. Então Jesus disse que eu podia ficar com ele. Mas eu disse-lhe que não podia porque não tinha um presente para lhe oferecer como tinham feito as outras pessoas que o tinham vindo visitar. Mas tinha tanta vontade de ficar com Jesus que comecei a pensar no presente que lhe podia dar. Pensei que se o conseguisse manter quente naquela noite tão fria seria um bom presente. Perguntei-lhe a Jesus: se eu te mantiver quente durante esta noite tão fria, isso seria um bom presente? E Jesus disse-me: esse era o melhor presente que me podiam dar. Por isso eu também me meti na casinha do presépio e Jesus olhou para mim e disse-me que podia ficar com Ele… para sempre."
Quando o pequeno Misha terminou a história inclinou-se em cima da mesa e começou a chorar e a soluçar. O pequeno órfão tinha encontrado alguém que nunca o abandonaria, que estaria sempre com ele. Para sempre.
Graças ao Misha aprendi que aquilo que importa não é as coisas que temos na vida mas sim as pessoas. Não acredito que o que se passou com Misha fosse imaginação. Acredito que Jesus o convidou mesmo a estar com ele para sempre. Jesus faz esse convite a todas as pessoas, mas para o escutar é preciso ter um coração de criança.



Obrigado Mafalda Paupério