10 de outubro de 2006

XLVI - O Conceito Rogersiano de “Vida Plena”




Observação Negativa:

“Vida Plena” não é um estado fixo. Não é um estado de virtude, de contentamento, de nirvana ou de felicidade. Não é uma condição em que o individuo esteja adaptado, cumulado ou actualizado. Não é um estado de redução de impulsos, de redução de tensão ou de homeostase.


Observação Positiva:

“Vida Plena” é um processo, não um estado de ser.
É uma direcção, não um destino.

A “Vida Plena” é o processo do movimento numa direcção que o organismo humano selecciona quando é interiormente livre para se mover em qualquer direcção, e as características dessa direcção escolhida revelam uma certa universalidade.


Características do Processo:

1- UMA ABERTURA CRESCENTE À EXPERIÊNCIA.

Esta atitude é oposta à atitude defensiva. A pessoa torna-se progressivamente mais capaz de se ouvir a si mesma, de experimentar o que se passa em si. Está mais aberta aos seus sentimentos de receio, de desânimo e de desgosto. Fica igualmente mais aberta aos seus sentimentos de coragem, de ternura e de fervor. É livre para viver os seus sentimentos subjectivamente, como eles em si existem, e é igualmente livre para tomar consciência deles. Torna-se mais capaz de viver completamente a experiência do seu organismo, em vez de a impedir de atingir a consciência.


2- AUMENTO DA VIVÊNCIA EXISTENCIAL

Esta característica implica uma tendência para viver plenamente cada momento. Uma pessoa que esteja plenamente aberta a cada experiência nova, completamente desprovida de uma atitude de defesa, vive cada momento da sua vida como novo. A configuração de estímulos internos e externos que existe num determinado momento nunca antes existira exactamente da mesma maneira. Por conseguinte, essa pessoa compreenderia que «aquilo que eu vou ser no próximo momento e aquilo que eu vou fazer nasce desse momento e não pode ser previsto de antemão nem por mim nem pelos outros».
Uma forma de exprimir a fluidez que está presente numa tal vivência existencial é dizer que o eu e a personalidade emergem da experiência, em vez de dizer que a experiência foi traduzida ou deformada para se ajustar a uma estrutura preconcebida do eu. Quer isto dizer que uma pessoa se torna um participante e um observador do processo em curso da experiência «organísmica», em vez de controla-lo.
Esse viver no momento significa uma ausência de rigidez, de organização estreita, de imposição de uma estrutura à experiência. Significa muito especialmente um máximo de adaptabilidade, uma descoberta de estrutura na experiência, uma organização fluente, mutável, do eu e da personalidade. A maior parte de nós, porem, aplica à experiência uma estrutura pré-fabricada, uma apreciação, e nunca a abandona, comprimindo e deformando a experiência para adapta-la às nossas idéias preconcebidas, irritados com os aspectos fugidios que a tornam tão difícil de adaptar às nossas esquadrias cuidadosamente construídas. Abrir o espírito àquilo que se está a passar agora, e descobrir no processo presente a estrutura específica que se apresenta, tal é, uma das características da “Vida Plena”.


3- UMA CONFIANÇA CRESCENTE NO SEU ORGANISMO.

A pessoa torna-se mais capaz de confiar nas suas reacções «organísmicas» totais frente a uma nova situação porque foi progressivamente descobrindo que, se estivesse aberta à sua experiência, se fizesse o que sente que seria bom fazer, essas reacções revelar-se-iam como um guia completo e digno de confiança do comportamento que realmente satisfaz. Os defeitos que invalidam a confiança no processo em muitos de nós são a inclusão de informações que não pertencem à situação presente, ou a exclusão de informação que lhe diz respeito. É quando a memória e a aprendizagem anterior se introduzem nos cálculos, como se fossem essa realidade e não memória e aprendizagem, que é fornecido como resposta um comportamento errado.


4- O PROCESSO DE UM FUNCIONAMENTO MAIS PLENO

A pessoa torna-se mais capaz de experimentar todos os seus sentimentos e, por isso, passa a ter menos medo deles; filtra a sua própria experiência e mostra-se mais aberto aos testemunhos que provêm de outras fontes; mergulha completamente no processo de ser e de se tornar o que é, descobrindo então que é profunda e radicalmente social; vive de um modo mais pleno no momento que passa, pois aprende que é sempre essa a maneira mais saudável de viver. A pessoa torna-se um organismo que funciona mais plenamente e, devido à consciência de si mesmo que corre livremente na e através da sua experiência, torna-se uma pessoa que funciona de um modo pleno.



Conclusão

Assim, adjectivos tais como feliz, satisfeito, contente, agradável, não parecem adequados para uma descrição geral do processo de “Vida Plena”, mesmo que a pessoa envolvida neste processo experimente cada um destes sentimentos nos devidos momentos. Mas os adjectivos que parecem de um modo geral mais apropriados são: enriquecedor, apaixonante, valioso, estimulante, significativo. O processo da «Vida Plena» não é um género de vida que convenha aos que desanimam facilmente. Este processo implica a expansão e a maturação de todas as potencialidades de uma pessoa. Implica a coragem de ser. Significa que se mergulha em cheio na corrente da vida. E, no entanto, o que há de mais profundamente apaixonante em relação aos seres humanos é que, quando a pessoa se torna livre interiormente, escolhe esta “Vida Plena” como processo de transformação.



Carl Rogers