20 de setembro de 2006

XXVIII - A Vitória Nossa de Cada dia

A mais premente necessidade de um ser humano é tornar-se um ser humano.


“Não entender” é tão vasto que ultrapassa qualquer entender - entender é sempre limitado. Mas não entender não tem fronteiras e leva ao infinito, ao Deus.
Olhe ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso chamado vitória de cada dia:

Não temos amado, acima de todas as coisas.

Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo.

Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem avental.

Temos procurado a salvação, mas sem utilizar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes.

Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível.

Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que a nossa indiferença é angústia disfarçada.

Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar do que realmente importa é considerado uma gafe.

Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fiz figura de tolo” e assim ficamos contentes antes de apagar a luz.

Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.


E com tudo isto consideramos que entendemos o mundo e a vida. E a tudo isto consideramos a vitória nossa de cada dia.
Clarice Lispector