20 de fevereiro de 2008

CXXX - moinhos de vento


Nisto descobriram trinta ou quarenta moinhos de vento que há naquele campo; e logo que Dom Quixote os viu disse ao seu escudeiro:
- A aventura vai guiando as nossas coisas melhor do que poderíamos desejar; porque vês ali, amigo Sancho Pança, donde se avistam trinta ou poucos mais desaforados gigantes, com quem penso travar batalha e tirar-lhes a todos as vidas, com cujos despojos começaremos a enriquecer; que esta é boa guerra, e é grande serviço de Deus arrancar tão má semente da face da terra.
- Que gigantes? -perguntou Sancho Pança.
- Aqueles que ali vês - respondeu seu amo - de braços compridos, que alguns costumam ter quase duas léguas.
- Olhe vossa mercê - retorquiu Sancho - que aqueles que ali se avistam não são gigantes, e o que neles parecem braços são as aspas, que volteadas pelo vento, fazem girar a pedra do moinho.
- Bem se vê - observou dom Quixote - que não estás formado nisto de aventuras; aquilo são gigantes, e se tens medo afasta-te daí e põe-te em oração enquanto eu vou entrar com eles em fera e desigual batalha.
E, dizendo isto, meteu esporas a Rocinante, sem atender aos brados que o seu escudeiro Sancho lhe dava, advertindo-o que sem a menor dúvida eram moinhos de vento e não gigantes aqueles que ia acometer. Mas ele ia tão convencido que eram gigantes, que nem ouvia os avisos do seu escudeiro nem adregava ver, embora estivesse já bem perto, o que realmente eram; antes ia dizendo em alta grita: - Não fujais, cobardes e vis criaturas, que é um cavaleiro sozinho que vos acomete. Levantou-se nisto um pouco de vento, e as grandes aspas começaram a mover-se, o qual visto por dom Quixote, este disse: - Pois ainda que movais mais braços que os do gigante Briareu, haveis de pagar-mas. E, em dizendo isto, e encomendando-se de todo o coração à sua senhora Dulcineia pedindo-lhe que em tal transe o socorresse, bem coberto com a sua rodela, com a lança em riste, arremeteu a todo o galope de Rocinante e investiu contra o primeiro moinho que tinha em frente; e dando-lhe uma lançada na aspa, o vento fê-la girar com tanta fúria que fez a lança em pedaços, arrastando atrás de si o cavalo e o cavaleiro, que foi rolando muito mal tratado pelo campo.
Acudiu Sancho Pança a socorrê-lo a todo o correr do seu asno, e quando chegou descobriu que o amo não se podia mexer; tal foi a pancada que deu com Rocinante.
- Valha-me Deus! - disse Sancho - não lhe disse eu a vossa mercê que olhasse bem o que fazia, que não eram senão moinhos de vento, coisa que não poderia ignorar se não tivesse outros moinhos na cabeça?
- Cala-te amigo Sancho - respondeu dom Quixote -, que as coisas da guerra, mais do que quaisquer outras, estão sujeitas a contínua mudança; quanto mais penso, e assim é verdade, que aquele sábio Frestão, que me roubou o aposento e os livros, transformou estes gigantes em moinhos para me furtar a glória de vencê-los; tal é a inimizade que me tem; mas, ao fim e ao cabo, hão-de poder pouco as suas malas-artes contra a bondade da minha espada.

D. Quixote de la Mancha, cap. VIII, Miguel de Cervantes.

3 Comments:

Blogger pasta7 said...

adri,
grato pela força!

Se há graça em começar, graça maior há em continuar, e só assim, pelo encontro,com os outros, é que a graça se conretiza plenamente, livre das escalas, sendo ela mesmo... Assim, aqui, a 5ªEssência.
Grande Abraço.

quarta-feira, fevereiro 20, 2008 8:23:00 da tarde  
Blogger ...QUE VOA... said...

desculpa a sinceridade mas com esta musica que tanto amo e vivi nao consigo ler o texto nem tão pouco parar a musica. é + forte que eu!

quarta-feira, fevereiro 27, 2008 3:13:00 da manhã  
Blogger pasta7 said...

...que voa...
como te compreendo! bj.

segunda-feira, março 03, 2008 2:15:00 da manhã  

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